Vamos para a Creepypasta!
Nail's Art (Parte 2) por Wagner De La Cruz
A chuva
amenizara na tarde em Imbé. O Beautiful & Chic
localizava-se na área nobre do município, na avenida principal, rodeado por lojas e comércios. Beth inaugurou o salão no início de 2008. E agora, oito anos depois, já era um dos mais conceituados da pequena cidade gaúcha.
Daniela
morava em Imbé há pouco mais de dois anos, vivia com suas duas filhas em Santa
Terezinha, bairro de classe média no
extremo norte da cidade. Seu falecido marido, Roberto Ciechoski, era professor
de história em Porto Alegre. Quando Roberto
morreu, quase três anos atrás, vítima de um enfarto fulminante
enquanto dava aula, Daniela ficou arrasada. Amava demais o marido, estavam
juntos desde que tinham 14 anos. Sua filha mais nova, Luísa, tinha menos de dois meses. Viúva, com duas crianças pequenas para criar, e sem o homem de
sua vida! O cenário não poderia ser pior para Daniela.
Após crises de depressão, apatia e sucessivas idas a psicólogos, Dani decidiu mudar-se para o litoral norte. Em Imbé poderia iniciar uma nova vida e, com o tempo, aprender a
conviver com a dor. Porto Alegre lhe fazia mal, tinha muitas lembranças, e
precisava de novos ares para superar a perda. Mais do que isto: precisava ser
forte, já que agora tudo que as meninas tinham
era ela! Assim, juntou suas economias, vendeu sua casa na capital e partiu rumo à praia.
Apesar
de receber uma pensão de seu falecido marido, o dinheiro não era suficiente
para proporcionar a ela e às filhas
uma vida suficientemente confortável. Sendo
assim, Dani voltou a exercer a profissão
que tinha antes de casar-se: manicure e pedicure. Era um verdadeiro dom, tinha
noção disto. Ninguém que conhecia era mais hábil.
Após dois meses atendendo em sua casa e esporadicamente à domicílio sem ter um retorno satisfatório (a população de Imbé era de apenas 15 mil habitantes), Dani resolveu tentar um emprego em algum
salão de beleza. Amanda já tinha 13 anos, e poderia cuidar
de Luísa a tarde, quando retornasse da escola
e pegasse a irmã na creche.
Sua
primeira tentativa foi exatamente no Beautiful & Chic. Quando Beth pôs os
olhos nas unhas decoradas de Dani achou que eram decalques, tal a perfeição na
arte. Ao descobrir que era pura técnica,
Beth não deixou Dani sair do salão sem a garantia de que a manicure faria parte
do seu quadro de funcionários.
Agora,
dois anos depois, os problemas de Dani pareciam algo distantes. Aos 33 anos,
bem empregada e gozando de ótima
reputação, sentia-se feliz. Roberto sempre lhe fará falta, obviamente. Foram dezesseis anos de casamento. Mas já lidava bem com isto, e transferira todo o seu amor para
suas meninas. Eram sua vida e motivação.
- Mais
alguma coisa? [perguntava-lhe a atendente da Lancheria Shallom]
- Pode
me trazer também uma lata de Coca-Cola.
Enquanto
aguardava o xis salada com refrigerante, Dani resolveu ligar para Amanda. Já eram 13:45, geralmente ligava para a filha quinze minutos
antes disso.
No
segundo toque alguém atendeu, e uma voz de choro do outro lado da linha fez
Daniela afastar o celular do ouvido.
***
O
telefone do Beautiful & Chic tocou no exato instante que Leonardo, um dos
cabeleireiros, chegava. Com um aceno de cabeça cumprimentou Beth, que
distraidamente lia o Diário Imbeense, acompanhando o
desenrolar da campanha política que só terminaria em dois meses.
-
Beautiful & Chic, boa tarde! [Falou Leonardo, com sua voz afetada característica]
- Oi Léo, é a Janaína.
Janaína Dias, primeira-dama da cidade, uma das clientes fixas do salão.
Beth não nutria grande simpatia nem por ela nem pelo marido. Não tornava isto público, evidentemente, mas também não se importaria se o atual prefeito fosse derrotado nas
urnas em outubro.
-
Faaaala, guria! [prosseguiu Léo] O que é que manda?!
- Amanhã
vou querer um tratamento completo, ok? Cabelo, sobrancelhas, depilação, unhas... tudo que tiver direito! Tem como marcar?
-
"Tem como marcar?"? Menina, aqui você maaanda! Claro que tem! Que horas vai querer?
- Pode
ser umas nove da manhã? Pedro e eu vamos à Brasília e...
-
Marcadinho, amiga! Te aguardamos amanhã então.
-
Certo. Obrigada Léo. Você é um
amor!
Dindim
torna as pessoas tão amorosas, pensou Léo. Despediu-se e, após anotar
na agenda os horários para Janaína, serviu-se de um café.
Sem açúcar e quase escaldante, como ele
gostava.
- E a
Dani? [perguntou o rapaz à Beth]
Beth
recapitulou o que Daniela lhe contara. A
cada evento estranho Léo, um notório medroso, levava as mãos à boca, exclamando um AI! meio assustado meio afeminado.
***
- O que
está acontecendo,
Amanda?! [falava Daniela ao celular]
-
Tiraram o Chaves! [disse a filha, enquanto o berreiro seguia ao fundo, na
linha, como uma música incidental]
- Ãhn?!
[Dani pegou-se confusa]
-
Assim, o SBT tirou o Chaves para botar um jornal que ninguém olha. E agora a Luísa quer
ver o Chaves e não pára de chorar!
- ...
- Mãe?
- Sim,
filha.
- O quê que eu faço?!
- Ai,
Amanda. Não sei. Por que você não
brinca um pouco com ela? Já, já ela esquece e...
- Já tentei! Ela só quer ver
o Chaves, mãe!
Daniela
respirou fundo. Não gostava de ver a filha chorando. Queria poder fazer todas
as vontades das garotas, mesmo quando não dependia dela, como era o caso. Não
poderia obrigar o SBT a passar o maldito Chaves.
Então,
lembrou que tinha ganho um dinheiro a mais pelo último trabalho, e sugeriu à Amanda que fosse com Luísa até a locadora do centro do bairro, há dez minutos de casa, e alugasse em sua ficha um DVD do
Chaves. A diária não era muito barata, dava
quase duas passagens de ônibus, mas
faria isto pela sua caçula. À noite, explicaria para ela que Chaves
agora só teria aos fins
de semana. Mas, por ora, resolveria assim a situação.
Quando
o lanche chegou, cinco minutos mais tarde, Dani despediu-se da filha, e
recomendou que se cuidasse, como fazia todos os dias. Mal deu a primeira
mordida no cheeseburguer e seu celular novamente vibrou. Era um Whatsapp. Léo estava avisando do serviço marcado para o outro dia.
OK.
Digitou e enviou.
E
pôs-se a comer rapidamente. Estava com muita fome. E o lanche dalí era delicioso! Dani parecia comer como se fosse o último xis que poderia degustar.
Se
pensasse realmente isto, não estaria tão errada.
***
O
restante do dia foi um tanto tedioso. Apenas duas clientes, ambas depilação
para Beth, foram ao Beautiful & Chic. A maior parte do tempo Dani e Léo falaram sobre alimentação, como quase todos os dias. Ele,
esguio e rato de academia, era um perfeito natureba. Não comia nada que
pudesse, em suas palavras, "prejudicar o corpinho". Já Daniela, mais para Melissa McCarthy do que para Gisele Bündchen, era totalmente avessa a dietas. Gostava de comer
aquilo que tinha vontade e pronto.
A tarde
se arrastava lentamente. Já não
chovia, mas o vento que soprava era gelado e desmotivava qualquer pessoa a sair
de casa. Eram 18:25 quando Dani se dirigiu ao ponto de ônibus. Pelos seus cálculos não esperaria mais do que dez minutos até o Expresso Boto passar, mas, infelizmente, o relógio do motorista não estava alinhado ao seu, de modo que só embarcou às 18:48.
Chegou
em casa já passava das sete e meia da noite.
Amanda havia preparado uma macarronada de carne moída e aguardava a mãe assistindo ao Atualidades Pampa, um velho
hábito que a garota involuntariamente
herdou do pai. Sempre antenada com os assuntos mais relevantes.
Luísa já estava dormindo. Era muito raro
Daniela encontrar a filha ainda desperta quando chegava do serviço, mas nunca
deixara de dar-lhe um beijo de boa noite e
passar o início da manhã com a garota. Como
já dito, não queria que lhes faltasse
nada, principalmente amor.
Após o jantar, lavou a louça enquanto ouvia a Rádio Gaúcha, hábito que ela mesma adquirira do marido. Mal prestava atenção às notícias, mas era algo que a fazia
sentir como se Roberto estivesse alí.
Quando
Amanda foi deitar-se, lá pelas 22 horas, Daniela foi
tomar um banho quente. Deu-se ao luxo de demorar 25 minutos sob a ducha, e, ao
sair, tomou um copo de leite quente, para ajudá-la a adentrar no mundo dos sonhos. Teria um grande dia pela
frente.
Fim da segunda parte, meus amigos. Uma ótima noite para vocês.
*EXCLUSIVO CREEPYPASTA PURO / POR WAGNER DE LA CRUZ*