Elogiadíssima em sua profissão, a manicure Daniela é uma verdadeira guerreira.
Viúva e mãe de duas filhas, Dani, como é conhecida, mora no pacato município de Imbé, uma das mais belas praias do sul, onde trabalha num dos salões de beleza mais conceituados da região.
Ela não sabe, mas, ao passar a utilizar um esmalte fora de linha esquecido em seu acervo, e que inacreditavelmente torna-se tendência entre suas clientes, irá alterar o destino de toda uma cidade, atraindo uma onda rubra de medo, dor e violência para o coração do litoral.
Autor de "Contos do De La Cruz", "A Defensora" e "Horror na Escola", Wagner De La Cruz presenteia seus leitores com a sua novela mais perturbadora.
Nail's Art (Parte 1) por Wagner De La Cruz
Daniela
assustou-se ao voltar da pequena cozinha do salão de beleza onde
trabalhava. Eram 12:34, e, até onde lembrava-se, havia fechado a porta da frente. Devia ter
se confundido, já que, ao regressar ao hall de
entrada, havia uma cliente lhe esperando.
A
manicure nunca tinha visto aquela senhora, nem lembrava de ter agendado algum
serviço para o horário do almoço. Clientes ao
meio-dia eram muito raras, ainda mais em uma terça-feira fria e chuvosa de agosto.
Sua patroa, Beth Rossner, havia saído há menos de dez minutos e também
nada lhe dissera.
- Bom
dia, digo, boa tarde senhora... Pois não?
[Disse Dani, colocando seu prato fumegante de miojo feito no microoondas sobre
a bancada da recepção]
- Olá. Eu gostaria de um serviço completo de manicure. É possível?
A
cliente tinha uma voz arrastada, mas decidida. Algo em seu olhar pareceu
cativar Dani. A mulher beirava os cinquenta anos, tinha a pele muito branca e
usava uma maquiagem um pouco exagerada, mas bem feita. Ao falar, esboçava um
sorriso discreto e insinuante, que se emoldurava bem em combinação com os
longos cabelos lisos, o rosto comprido e nariz adunco.
Um
trovão ribombou ao longe enquanto a cliente aguardava a resposta. Dani sorriu
um pouco insegura:
-
Claro! Não tenho ninguém marcado até as 15 horas. Só um
momento [Dani respondeu e, com o prato de comida, dirigiu-se rapidamente de volta
à cozinha]
- Que ótimo! Você é a Daniela né?
Outro
trovão.
Ainda mais
surpresa com aquela situação atípica, Dani
voltou lentamente até o hall, carregando sua maleta de
ferro com os utensílios de serviço.
- S-sim... C-como sabe meu... como sabe
meu nome?!
A
cliente mexia em sua pequena bolsa de couro negra, que parecia ser adereço do
vestido que utilizava, e se voltou sorrindo para Dani, mostrando-lhe um pequeno
panfleto rosa que acabara de tirar.
- É o que
diz aqui, no anúncio do salão...
O
folder dizia ESPAÇO BEAUTIFUL & CHIC - SALÃO DE BELEZA, com informações e
gravuras dos serviços do local, e, bem no rodapé, os números de telefone e WhatsApp ao
lado dos nomes das responsáveis pelos
trabalhos, incluindo Dani.
A
manicure sentiu o rosto arder e corar. Que gafe! E era uma cliente nova! Devia
achá-la maluca...
-
Perdão, senhora...
- Jéssica. Jéssica Dumore.
- Bem, me perdoe, dona Jéssica, é que fizemos os folders há pouco tempo, não me acostumei ainda e...
- Tudo
bem [disse Jéssica, simpática], não se incomode com isto. Mas gostaria que começasse o
quanto antes, ok? [desta vez, mais rompante]
- Sim
senhora. A senhora já escolheu o esmalt…
- Sim!
[cortou a cliente] Aquele vermelho, o primeiro da segunda prateleira.
Dani
virou-se para as enormes prateleiras de esmaltes. Havia pelo menos duas
centenas de vidros, com absolutamente todas as cores e uma infinidade de
marcas. O que Jéssica indicou era de um vermelho
escarlate, encorpado, com um frasco único e com
o rótulo apagado. Ao pegá-lo, Dani não se lembrou dele. Parecia um produto artesanal. Tinha
certeza que o modelo do recipiente e o formato do pincel estavam fora de linha
há muito tempo. Será que já não estaria seco?
Enquanto
colocava a água para ferver na jarra elétrica, Dani abriu o frasco. Incrivelmente o pincel estava úmido, e não havia o menor sinal de crostas. Era como se o
velho esmalte nunca tivesse sido aberto. O cheiro do produto era forte, acre,
mas a cor... ah! A cor era belíssima! Um vermelho vivo, pungente, parecia capaz de
hipnotizar. Por quê nunca ninguém o havia escolhido? Estava no salão há quase dois anos e não entendia como não o utilizara antes. Vou oferecê-lo a todas as clientes daqui por diante, pensou. Ante o pensamento
da manicure, Jéssica sorriu na poltrona.
***
A chuva
tornou-se mais forte e os relâmpagos mais constantes enquanto Dani manicurava. A
temperatura pareceu diminuir drásticamente,
mesmo para a época. Jéssica não era exatamente uma cliente 'falante', de modo que,
após duas ou três tentativas de puxar assunto retribuídas com falas monossilábicas,
Dani desistira de qualquer interação.
Na
verdade, a manicure sentiu-se um pouco intimidada durante a execução do
trabalho. Jéssica Dumore parecia ter os olhos
fixos em Dani, como se avaliasse algo mais do que seu desempenho profissional.
Por
fim, as unhas ficaram prontas. Mais uma vez, Dani ficara orgulhosa de seu êxito. Era, de fato, excelente naquilo que fazia. Um sorriso
tão enigmático quanto o de uma Monalisa moderna
surgiu nos lábios de Jéssica quando examinou o serviço.
-
Perfeito! [disse Dumore, com a voz ronronante de Kathleen Turner] Quanto lhe
devo?
-
Obrigado. [Dani sentiu-se encabulada] São quinze re...
"I've
had, the time of my live...", a música tema
de Dirty Dancing começou a tocar. Era o toque do celular de Dani. Ela havia
deixado o aparelho sobre a pia quando preparava o almoço. Pela hora, talvez
fosse Amanda, sua filha mais velha. Sempre ligava por volta das duas da tarde.
Pedindo licença para Jéssica, dirigiu-se rapidamente à pequena cozinha.
O
telefone parou de tocar quando Daniela foi atender. O visor mostrava <NÚM.
RESTRITO>. Deve ser alguma empresa de cartão, pensou a manicure, enquanto
regressava para o local de trabalho.
- São
quin...
Novamente
não terminara a frase. Jéssica Dumore havia desaparecido!
Impossível, pensou Dani, ela estava aqui há vinte segundos!
Sobre a
mesa de serviço estava uma nota de R$50,00, dobrada abaixo do vidro do esmalte
escolhido. Ao lado, um cartão de visita com os dizeres JÉSSICA DUMORE em letras
estilizadas, com um número de telefone com o DDD 92 em
relevo, margeado por tribais de cor dourada.
Intrigada,
Dani tentava imaginar o quê afinal de
contas fazia sua nova cliente, já que o
cartão que agora segurava nada especificava, quando uma mão repousou sobre seu
ombro esquerdo. Dani gritou, girando nos calcanhares, encontrando o rosto
surpreso de Beth Rossner.
A
manicure perdeu e equilibrio e Beth precisou segurá-la e ajudá-la a se
sentar.
- Meu
Deus, Dani! O que houve, criatura?! Você está tão pálida!
Dani
lhe contou, sentindo-se tola e levemente irritada quando Beth finalmente riu do
susto involuntário que causou.
- Calma,
amiga. [Beth falou] Ela devia estar com muita pressa, você mesma disse que ela queria um serviço rápido.
- Mas... você não a viu quando chegou?
- Não,
mas ela pode ter saído por outro lado. E também, posso ter visto e nem notado.
- Sim,
mas,.. Ai, sei lá!
Beth
riu novamente da confusão de Dani. Desta vez, tendo companhia da mesma.
- Olha
[disse Beth], vai almoçar, amiga. Sei que tá com fome. Pode até ir na lancheria alí da frente, hoje tá bem
tranquilo.
- Tem
certeza?
-
Claro! Você merece, depois de hoje!
E
novamente riram. Dani, ainda nervosa, mas um pouco mais calma, levantou-se e foi
pegar sua bolsa. Beth, distraidamente, guardou a chave que usara para entrar e foi
preparar um café para as possíveis clientes.
Então esta é a primeira parte de um longo conto cheio de surpresas e mistérios, espero que tenham gostado, obrigado pela atenção de vocês, e lá vamos nós, aos poucos, mas estamos nos reerguendo.
*EXCLUSIVO CREEPYPASTA PURO / POR WAGNER DE LA CRUZ*