quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Creepypasta dos Fãs - Horror na Escola

- Se apresse, menino! Vai se atrasar! [gritava Íris para o filho].


Já passava do meio-dia e Bruno ainda não estava pronto para almoçar e ir para a escola. Na verdade, ainda estava só de cuecas e metido embaixo das cobertas quando sua mãe chamou.


Na noite anterior o Telecine Cult transmitiu "O Exorcista", clássico que ele apenas ouviu falar, mas nunca havia assistido. Sempre lhe disseram que era o filme mais assustador de todos os tempos, o que despertou sua curiosidade quando viu, no final da tarde passada, que estaria em exibição.


O horário marcado era 02:25, Bruno precisou deixar o despertador ligado para não perder a hora. Assim, com a TV do quarto em volume baixo, para não atrapalhar o sono dos pais e receber um bronca, ele assistiu a obra-prima de William Friedkin sem medo, do auge dos seus nove anos. Bom, não exatamente sem medo. Ao término do filme, já passada as cinco da manhã, as cenas da possessão da garota Reagan não saiam de sua mente. Era fechar os olhos que as imagens do vômito verde, o giro da cabeça, a masturbação com o crucifixo (que ele sequer entendeu bem) ou a levitação teimavam em surgir. Claro que ninguém saberia disto, já que seria humilhante para um homem admitir que ficou com medo de um filmezinho bobo, assim pensava.


O sono só chegou muito tempo depois do Sol raiar e iluminar parcialmente o quarto do garoto. Ainda que tivesse medo de que, a qualquer instante, sua cama fosse começar a balançar, sentiu-se mais seguro sendo dia e os pais estarem acordados. Quando escutou o pai ligar o chuveiro caiu no sono quase instantâneamente. Não teve pesadelos. Na verdade, nem teve certeza se dormiu, tinha a impressão de num instante fechar os olhos e no outro ser despertado pela mãe.


Preguiçosamente, vestiu a primeira camiseta que sua mão tocou e dirigiu-se para o banheiro, semi-acordado. Lavou o rosto, escovou os dentes, urinou abundantemente (não o fazia há mais de dez horas) e tomou um banho rápido, quase frio, mais para despertar do que para higienizar-se. Após fechar o chuveiro e apertar a toalha contra os olhos ao secar-se, já se sentia mais disposto. 


O cheiro da comida da mãe era delicioso. O aroma do feijão bem temperado atiçou o estômago de Bruno logo que ele saiu do quarto, já vestido para o colégio. Tinha fome. E agradecia a Deus pelo cardápio não trazer sopa de ervilhas. 


*****


Bruno estava no segundo ano. Estudava na Escola Municipal de Ensino Fundamental Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, em Novo Hamburgo, no bairro Redentora. Era um dia bonito de outubro, em plena primavera, com o Sol brilhando e uma leve brisa impedindo que o calor insuportável se instalasse.


Exatamente para aproveitar a tarde, a professora resolvera antecipar a Educação Física, que estava programada apenas para o próximo dia.


- Não é dia de ficarmos trancados na sala! [Dizia animadamente Fernanda, a mestra, que na verdade era uma estagiária e não tinha idade nem para ser mãe dos seus alunos].


Bruno gostava de futebol, mas, após dormir pouco e ter comido rapidamente no almoço, não se sentia muito animado para jogar. Mesmo assim, atendendo a pedidos dos seus colegas e, principalmente, porque Marianne, a menina que ele gostava, estava olhando, decidiu jogar um pouco. Bem pouco, na verdade, já que, cinco minutos após entrar na quadra, uma bola afortunadamente acertou seu nariz, após um colega do time adversário chutá-la forte e sem direção. Bruno caiu de costas, enquanto enxergava raios de todas as cores e formas graças a bolada. Fernanda chegou a correr para acudí-lo, mas as risadas dos colegas, juntamente com a vergonha de ter feito papel de bobo à frente da mulher da sua vida trataram de reanimá-lo imediatamente.


*****


Nuvens começavam a se formar, escondendo o Sol. A brisa já começava a tomar forma de vento e, por precaução, Fernanda decidiu que era melhor retornarem à classe.


Mais cansado ainda, após tentar exibir-se para Marianne e ser nocauteado, passando o resto da aula emburrado, Bruno sentou-se pesadamente em seu lugar, no fundo, próximo à janela, e se pôs a conversar com Jean, seu colega e melhor amigo.


- E aí? Viu o Exorcista ontem? [perguntava Bruno]


- Pior que não. Meus pais não me deixaram ver e…


- Ah! Não mente, cagão!


- Sério, cara! Eu ia olhar, sim!


- Aham, sei… Tava é com medinho, seu viado! Eu olhei todo e…


- Meninos… [interrompia a professora] Abram seus livros, agora é hora do conto.


- Viadinho… [disse Bruno para Jean, quase inaudível, com um sorriso de canto de boca]


A hora do conto, para Bruno, era tédio puro. Nunca gostou muito de ler, nem mesmo quadrinhos. Se ler já era chato, dizia, imagina alguém ler para você! E a história de hoje era João e Maria, um conto que ele já ouvira umas quinhentas vezes e que achava muito infantil. Mesmo assim, resolveu acompanhar a professora Fernanda no seu Livro dos Contos, um calhamaço com cinquenta histórias que os alunos receberam no início do ano letivo.


A chuva começava a cair, de imediato Bruno bocejou, mas seguiu acompanhando a fábula. Quando João e Maria encontraram a casa de doces na floresta, Bruno embaralhou a vista e quase não distinguiu as letras do texto. Quando João ofereceu um graveto para a Bruxa tocar, no lugar de seu dedinho, Bruno cochilou sobre o livro.


Acordou de sobressalto, com o barulho do granizo batendo no vidro da janela. De olhos arregalados, percebeu que estava sozinho na sala. Percebeu que estava com muito frio. Percebeu que já anoitecera…


*****


Quanto saiu do banho e vestiu-se para ir à escola, usava apenas uma calça jeans e uma camiseta gola polo, e saíra reclamando do calor.


- Leva uma blusa, pois esfria de tarde! [disse-lhe sua mãe].


Bruno não lhe deu ouvidos, como era de praxe. Desta vez, porém, arrependia-se. O termômetro da sala, que a tarde registrava 25°, agora marcava 5°. Um frio atípico para a estação.


Com os braços cruzados sobre o abdômem, caminhou até a porta, rezando para que não estivesse trancada. Um arrepio correu pelo pescoço quando tocou a maçaneta, sentindo todos os pêlos do corpo se eriçarem, mas, felizmente, estava destrancada.


O frio fora da sala era estranhamente menos intenso. Porém, o corredor estava às escuras, bem como toda a escola. Pelo que o garoto lembrava, o interruptor se localizava em uma pilastra próxima à escada, há uns cinquenta passos de onde ele estava, segundo suas contas. Não queria passar a noite alí, mas, principalmente, não queria permanecer no escuro. 


Aguardou seus olhos acostumarem com a penumbra e, guiando-se pela parede, saiu para o corredor. Mentalmente ia contando os passos, quase não respirando de tensão, ouvindo o barulho do granizo no telhado. 


Vinte e sete, vinte e oito, vinte e nove…. O frio retornava com força. Agora ele podia ver nuvens de ar a cada respirada. Quase pensou em voltar correndo para a sala de aula, mas agora estava mais perto do interruptor, então decidiu acelerar o passo, quase correr.


Quarenta, quarenta e um, quaren… seus pés pisaram em algo molhado e viscoso. Mal teve tempo de registrar isto, pois vislumbrou a pilastra quase ao alcance das mãos. Deixando o apoio da parede, Bruno correu onde se lembrava que ficava a chave de energia. Seus dedos tocaram imediatamente as teclas e fez-se a  luz! 


Com o corredor perfeitamente iluminado, Bruno teve um hiato de cinco segundos de uma tranquilidade razoável, até registrar uma poça de sangue a menos de dez metros de onde ele estava. Seus olhos se voltaram primeiro para as pegadas rubras que seus tênis deixaram pelo caminho, e em seguida para o teto, sobre a poça, de onde pendia o corpo do senhor Mauro, o zelador da escola. Estava nu, pendurado pelos pés através de uma corda fixada em um suporte de uma das luminárias. Uma perfuração no centro do peito e o rosto completamente vermelho, com um semblante de sofrimento, davam a ideia de que sangrara até morrer.


As pernas de Bruno fraquejaram, seu estômago se contorceu, querendo expulsar o almoço. Inclinou-se sob o parapeito e, segurando-se nas barras, vomitou. O som ecoava na escola vazia. Pálido, ainda tremendo, contornou a poça e correu para o andar de baixo.


*****


O térreo estava iluminado somente pelas luzes do segundo andar. O hall de entrada da escola tinha uma porta dupla de um vidro transparente, dando direto para o pátio principal. Bruno correu direto para lá, e forçou uma das folhas. Sem sucesso. A porta, além de trancada a chave, possuia uma corrente unindo os puxadores, do lado de fora, com aros grossos, e um cadeado.


Desesperado, jogou-se contra o vidro, que devolveu o mesmo impacto, atirando-lhe ao chão. Um trovão ribombou no pátio, sobre uma das traves de madeira da quadra de futebol. O fogo imediatamente começou a consumir as goleiras. Com dificuldade, Bruno levantou-se, apoiando o corpo nos pesados vasos de planta que ali haviam. Devido ao breu da noite, não havia percebido algo nas traves que, agora, devido ao fogo, podia ver melhor: Professora Fernanda, sem roupas, pendurada pelo pescoço em uma corda no meio do travessão e com as mãos amarradas às costas tremulava ao ritmo do vento. 


Bruno ficou em estado de choque. Estático, permaneceu olhando fixamente para o pátio, com os olhos arregalados e a boca aberta. Só saiu do transe quando o fogo consumiu a corda e Fernanda, com os cabelos em chamas, caiu no chão de concreto. Ele precisava sair dalí, tinha de achar uma saída, não queria ficar preso naquela escola. 


Sem ação, lembrou-se dos banheiros, que ficavam bem próximos da entrada. Cada compartimento possuia uma janelinha. Ele teria de tentar. Disparou na direção dos sanitários mesmo quase sem visibilidade, com a adrenalina em alta. Nem percebia que chorava até as lágrimas salgadas chegarem à sua boca.


*****


Meio trôpego, Bruno deu com o nariz na porta do banheiro masculino. Testara a maçaneta insistentemente, quase a arrancando da fechadura, mas nada acontecia. Frustrado, escostou a testa na madeira e começou a chorar copiosamente, deixando-se deslizar até o chão enquanto soluçava.


Foi em meio às lágrimas que, olhando para a escada que conduzia ao segundo andar, vagamente iluminada, um movimento chamou-lhe a atenção: envolto em algo que parecia uma toga com capuz, um Ser praticamente deslizava rumo ao andar de baixo através dos degraus. Lentamente, o Ser virou a cabeça na direção de Bruno. Um par de olhos estrábicos, de um violeta vivo, fitaram o garoto. Da fenda negra abaixo do nariz, bem evidente devido a pele pálida, um largo sorriso com dentes disformes e amarelados surgiu. A coisa apontou um dedo para Bruno:


- Você… [a voz era quase um ronronado de um gato] Quero você…


A bexiga do menino soltou-se nesta hora. Nem percebeu o mijo quente escorrer por entre as pernas. A sua mente de garoto não havia lhe sugerido tentar o banheiro feminino. Era algo errado, proibido. Mas Bruno não mais importava-se com bons modos e, antes da criatura entrar na curva da escadaria, testou a porta do sanitário das meninas. Quase gargalhou ao achá-la destrancada. 


Encostou-a sabendo ser inútil, já que não tinha a chave, mas não se preocupava com isto. Precisava ser rápido, podia sentir o farfalhar da toga nos degraus da escada há menos de trinta metros. Aliviou-se ao achar a tomada e ter o cômodo inteiramente iluminado.


O banheiro feminino tinha três compartimentos, e, instintivamente, dirigiu-se ao central. Ao abrir a porta sentiu uma nova onda de horror: Jean estava sentado, com as calças abaixadas. O colega de Bruno fôra decapitado, e só foi reconhecido pelo amigo graças a camiseta da banda Oasis, que usava frequentemente, agora ensopada de sangue. Tornando a cena ainda mais bizarra, Jean segurava em suas mãos, na frente da virilha, a cabeça de Marianne, que mantinha a boca escancarada em um eterno O e os olhos abertos sem vida e sem íris.


Pela primeira vez na noite Bruno gritou, e cambaleou de costas até encostar na parede, afastando-se daquele cenário aterrador. O ar parecia impregnado com o cheiro pesado de sangue. Um gosto de bile subiu à garganta do rapaz quando escutou passos vindo do exterior do banheiro.


Impelido pelo medo, entrou no compartimento central, e puxou o amigo morto para o lado, a fim de subir no vaso. Ao deslocar Jean, o defunto derrubou a cabeça de Marianne. O barulho foi semelhante ao que se ouve ao atirar um peixe sobre uma tábua de madeira. A janela abriu sem dificuldade no exato instante em que a porta rangia ao ser aberta lentamente. Bruno subiu na caixa descarga, escorregadia devido ao sangue, e içou-se pela pequena abertura acima. Em três segundos estava do lado de fora, estatelado na relva, de costas para cima. Virou-se a tempo de ver o rosto pálido do Ser na janelinha, ainda a lhe sorrir.


A chuva era fria, as roupas estavam empapadas, Bruno tremia e batia queixo. Levantou-se e caminhou em direção ao portão da escola. Um cheiro de carne de porco assada chegou ao seu nariz ao passar próximo do corpo fumegante da professora. Ela havia caído de lado, e não era mais do que um esqueleto envolto em pele negra ressecada, mas com os olhos estranhamente vivos a fitar o garoto.


O granizo castigava-lhe o corpo franzino. Estava exausto, machucado pela queda, chocado com tudo que havia passado, mas resistia à entrega bravamente. Precisava sair daquele inferno e buscar ajuda. Estava a menos de dez metros do portão quando uma pedra de gelo do tamanho de uma bola de pingue-pongue o acertou no supercílio, o derrubando de joelhos.


Com a visão turva, levou uma das mãos ao machucado e se assustou quando as pontas dos dedos se mancharam de sangue. Do SEU sangue. Apoiando um braço no solo, levantou-se novamente e deu dois passos até que uma nova pedra de gelo, desta vez quase do tamanho do um punho fechado, atingiu-o na face, jogando-o no chão lamacento. Um gosto ferroso de sangue inundou sua boca enquanto a chuva de granizo ganhava força, judiando-o por inteiro.


Mesmo no frio sentia o corpo arder nos locais em que era atingido. Num ato de desespero levou as mãos ao rosto para se proteger. Parecia que todo o granizo do mundo havia o escolhido para alvo. Ao virar-se de barriga para baixo instintivamente, a fim de proteger os órgãos vitais, uma última pedra atingiu-o na nuca. Bruno perdeu os sentidos em meio a tempestade, enquanto uma poça de sangue aquoso formava-se ao redor de seu corpo.


*****


Um barulho contínuo trouxe-o de volta. Estava deitado em uma cama branca, num quarto branco, com uma pessoa de branco à sua frente. Tinha dificuldade para abrir os olhos, que estavam bem inchados, mas, ao vislumbrar a mãe sentada na poltrona a seu lado, quase fez o globo pular da cavidade. 


A mãe foi até ele e o abraçou levemente enquanto chorava silenciosamente, evitando forçá-lo muito.


- Eu… [Dizia Bruno, quase sussurrando] eu tô vivo? Mãe?


- Sim, filho! Sim! [Íris começava a chorar mais alto] Deus é bom!


- Mas… mas como me acharam?


A mãe olhou para o doutor, que lhe devolveu o olhar, meio embascado, piscando através dos óculos de lentes esmaecidas.


- A diretora ligou, filho. Você bateu com a cabeça na quadra jogando bola, lembra?


- Eu? Quando?


- Há dois dias, Bruno. [Respondeu o médico, por baixo da máscara cirúrgica] Desde então você apenas dormiu, até agora.


A cabeça de Bruno voltou a doer, sentiu o mundo girando. Sua mãe segurava seu pulso. 


- Tudo bem. [continuou o doutor] É uma reação natural de quem sofre algum trauma no crânio. É melhor deixá-lo descansar mais um pouco, dona Íris.


A mãe acomodou-o no travesseiro. Um sorriso brotou no rosto de Bruno. Agora percebia que estava nu, provavelmente devia ter urinado nas roupas e na cama e foi preciso trocá-lo, mas era uma humilhação que poderia suportar.


- O que foi, filho? Por que o riso?


- Nada não mãe, um negócio que sonhei, só isso.


- Deve ter sido um sonho e tanto. [Disse o médico] Você dormiu por quase dois dias inteiros. Dormindo você se recuperaria mais rápido.


Bruno viu o médico introduzir uma seringa no frasco de soro que estava conectado ao seu corpo. 


- O que é isto, doutor?! [perguntou o rapaz]


- Ah. É um negocinho para você dormir mais um pouco. Ainda não está bem, bem. Mais um dia de recuperação e já vai poder voltar até a namorar. [o doutor piscou para Íris, e um sorriso de alívio surgiu no rosto da mãe, em meio às lágrimas incessantes]


Íris abraçou o filho uma vez mais. Sua testa já não estava febril, o que aliviou ainda mais a mulher. 


- Eu vou ao banheiro lavar os olhos filho. Já, já eu volto.


Após um beijo no rosto, a mãe de Bruno deixou-o só com o médico. O menino já sentia a sonolência lhe dominar enquanto seus olhos percorriam o quarto de hospital. Um instante mais tarde, seu olhar parou em seus tênis, colocados sobre a roupa dobrada que usava quando foi a escola na última vez, em cima de uma cadeira. Na sola, Bruno notou manchas vermelhas, como se ele houvesse pisoteado em beterrabas cozidas.


Aflito, mas sem forças, olhou para o doutor, parado aos pés da sua cama, com uma segunda ampola nas mâos. O médico baixou a máscara e sorriu, exibindo seus dentes amarelados e podres, e aproximou-se de Bruno. Através dos óculos, o garoto viu com incredulidade e terror os olhos vesgos cor de violeta. Então falou, abaixando o rosto próximo o bastante para que seu paciente sentisse o hálito putrefato:


- Bons sonhos, menino. Descanse em paz.


Depois disto, o mundo de Bruno foi tomado pelas trevas.

Escrito por: Wagner De La Cruz

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A Arte de Jacob Emory

Histórias de fantasmas? Não, nós não temos essas coisas por aqui. Mas nós temos a história de Jacob, e isso é o que tem de mais parecido.

... Você realmente quer saber?... Bem, eu não deveria contar a você, mas tudo bem, só não interrompa. Eu não tenho paciência pra isso.

Como descrever Jacob Emory... bem, acho que você pode dizer que ele era o tipo de cara que podia facilmente passar despercebido. Não estou querendo dizer que ele era um jovem ruim, de jeito nenhum – muitas pessoas nessa cidade achavam que ele era a pessoa mais confiável para executar pequenos serviços nesse estado – mas ele nunca se destacou em nada. Ele era a prova viva por trás da frase "ajudante de tudo, especialista em nada". Grande parte disso se devia à própria falta de interesse dele. Ele se interessava por praticamente tudo que essa cidade tinha a lhe oferecer: automóveis, operação de rádio, administração de loja, o que fosse, mas nunca se fixava em nada. Seus amigos e colegas de trabalho perguntavam a ele inúmeras vezes o motivo disso, mas todos recebiam a mesma resposta meia-boca: "Não era o suficiente". Não é necessário dizer que ou os amigos dele eram muito pacientes ou nunca tocavam nesse assunto.

Provavelmente era inevitável, naquela época, que Jacob fosse embora para o exterior. Eu não me lembro pra onde ele foi, mas eu acho que a Gertrude, do fim da rua, sabia antes de falecer – agora você terá que ir atrás de outra pessoa se um dia ficar curioso. De qualquer forma, ninguém tentou impedi-lo. Todos acharam que uma pequena viagem despertaria a ambição nele, ou pelo menos a faria crescer até que não fosse mais um problema. Inferno, nós até fizemos uma festa de bota-fora pra ele, o que eu achei muito legal da parte de todos.

Mas então, ele ficou fora por... seis, sete anos? Não me lembro. Você vai ter que verificar isso com outra pessoa também. Enfim, ele voltou, e tinha mudado, obviamente bastante. Ele estava amável, cheio de energia, sorrindo o tempo todo, e rapidamente descobrimos por que. Ele nos mostrou um souvenir que trouxe com ele – um bastão preto sólido, do tamanho de um lápis, mas com textura de giz. Todos nos perguntamos por que raios uma coisa tão simples provocaria tanta alegria na vida dele, até que ele nos deu uma demonstração. Ele pegou um pedaço de papel e com o seu bastão – Deus, deve ter uma palavra melhor pra isso – ele... desenhou um círculo simples.

O círculo caiu e repousou na borda do papel, como uma pedra. Ele não caiu do papel, mas se movia por ele, como se fosse um filme velho projetado em uma tela.

Filho, eu sei o quanto isso parece loucura, e se você quiser bancar o cético, então pode deixar um velho com suas doideiras. Mas eu sei o que eu vi, mesmo que todos estejam tentando esconder, e aquela pedra que ele desenhou caiu. Jake até passou o papel pra gente, e quando o passávamos de mão em mão, o círculo rolava conforme o papel ficava inclinado. Nenhum de nós tinha palavras pra isso – Inferno, o que poderíamos dizer? – mas ele continuou desenhando uma demonstração depois da outra pra gente, figuras de palitinhos fazendo espetáculos e peças, fazendo tudo, desde lutar umas com as outras até fazer pirâmides "humanas" perfeitas, e todos achamos aquilo incrível. Isso era todo o incentivo de que ele precisava – ele anunciou que planejava fazer shows pra poder pagar o aluguel e comida, onde ele desenharia tudo o que a platéia pedisse. DISSO nós falamos um bom tempo, e ele eventualmente nos convenceu que seria seguro, que seus desenhos seriam éticos, que a prática seria única e lucrativa, e que a atenção não iria além das fronteiras da cidade.

Pobre Jacob. Se eu não tivesse me deixado levar pelo momento, eu poderia ter visto os sinais bem ali, naquela hora, e salvo o miserável, quebrando aquela coisa terrível no meio. Mas eu era jovem, todos éramos, e não vimos problema em encorajá-lo com o que achamos que era uma experiência a ser dividida com todos. Agora, ele não tinha nenhum rádio ou conexão de TV, saiba disso, e a internet não chegaria antes de uma década. Então ele fez o que todas as pessoas sem grana fazem – ele anunciou o show usando panfletos. Panfletos podem não significar nada pra vocês da cidade grande, mas em uma cidade pequena, eles ganham destaque de tempos em tempos, e melhor ainda, Jacob conseguiu destacá-los desenhando pequenas figuras que pulavam e faziam de tudo pra chamar a atenção das pessoas. Seu primeiro show deve ter atraído cerca de sessenta pessoas, provavelmente muito mais do que isso.

E seus shows eram fantásticos. Alguém gritava uma cena de uma peça ou algum esquete de comédia e a mão de Jake voava pela parede branca como um pássaro. Ele estava se contendo quando desenhou aquela pedra, com certeza. Suas ilustrações eram sempre exatas, e ele podia desenhar uma figura humana incrível em minutos. Parando pra pensar, eu não me lembro de nenhuma de suas cenas demorar mais do que dez minutos pra ser desenhada. Eram cenários muito bem feitos – não dava só pra ver um cavaleiro invadindo um castelo, Jake desenhava o interior também, como se fosse um bolo de noiva partido ao meio. Então era possível ver o cavaleiro escalando os muros, lutando pelos corredores das masmorras, voltando com a princesa e saltando do parapeito do muro sobre seu cavalo de fuga, tudo em completo silêncio.

Não era realista, mas isso era parte da graça – nenhum de nós foi até lá esperando algo realista. Quando uma cena estava terminada, ou os personagens saíam de vista pela parede ou ele cobria a parede com tinta branca. Isso era bom, de certa forma – dava aos shows um tempo limite, pois quando ele terminava as quatro paredes da sala, todos sabiam que o show estava terminado até que as paredes secassem.

Enquanto isso, Jake estava mudando pra pior. Eu mencionei que, quando ele voltou, estava extremamente energético. Bem, essa energia, essa vitalidade ou fervor ou como você quiser chamar, isso nunca foi embora. Nem por um instante. Longe disso, só pareceu aumentar dentro dele, e ele gostava disso. Seus olhos ficavam mais abertos, ele dormia cada vez menos, suas afirmações e opiniões ficavam mais radicais e delirantes, e apesar de nunca ter sido uma companhia fácil, ele estava começando a deixar as pessoas irritadas com sua presença.

Um ou dois meses se passaram e a platéia de Jake cresceu como um incêndio. Praticamente todos da cidade pagavam pra ver a arte do Jake em ação, e ele tinha que alugar lugares cada vez maiores pra acomodar todos. Ele agora não parava depois que uma cena estava completa – ele passava direto pra próxima, indo para o próximo espaço em branco na parede, às vezes causando o intrigante efeito de misturar as cenas, o que a platéia adorava. Os temas ficaram mais selvagens e imorais, os monstros ficando mais bizarros e criativos, os lutadores usando armamentos impossíveis, tudo para agradar à platéia. Jake ficou mais indulgente, o que achamos ser consequência do dinheiro, e se tornou alcoólatra e mulherengo (aliás, nenhuma dessas duas coisas conseguiu diminuir sua vitalidade). Algumas dessas mulheres diziam que acordavam no meio da noite e o encontravam rabiscando com aquele bastão em um bloco de desenho, com um sorriso gigante e sinistro no rosto. E enquanto a maioria achava que ele estava simplesmente as desenhando nuas, há rumores de que uma ou duas mulheres conseguiram dar uma olhada nesse bloco de desenhos. Essas poucas anônimas supostamente disseram que aqueles desenhos não são, de jeito nenhum, desenhos de nudez, mas nenhuma delas, sejam que forem, disseram o que viram. E não se incomode em procurar pelo bloco ou pelos panfletos, eles já eram. Mas eu estou me desviando do assunto. O ponto é que ele estava enchendo a cara, e isso é importante, porque é essa bebedeira que iria arruinar tudo.

Na noite de uma de suas apresentações, quando ele ficou de frente com a platéia aplaudindo, ficou imediatamente visível a todos que ele estava completamente bêbado. Eu estava na fileira da frente e podia sentir o cheiro de whiskey a três metros de distância. O show começou, ele desenhou um monte de cenas que a platéia recomendou, quando no final alguém pediu que ele desenhasse a si mesmo. Todos aplaudiram a idéia, acho que eles estavam imaginando o que suas criaturas pensariam dele, e ele eventualmente obedeceu.

No momento exato em que Jake uniu as últimas linhas de seu casaco, cada um dos outros personagens, espalhados pelas vastas paredes, pararam e olharam para aquela ilustração. Namorados pararam com os beijos, palhaços pararam de rir, robôs pararam de lutar contra piratas, tudo parou e olhou para a ilustração de Jacob. A platéia silenciou quase que instantaneamente – eu me lembro da cara do Jake naquele momento, pálida, refletindo a terrível compreensão de seu erro, e procurando desesperadamente pela tinta branca que ele esqueceu de preparar antes do show. Todo o resto? Estavam olhando para o Jake falso.

Aquele Jacob enfiou a mão no bolso da jaqueta e tirou seu próprio bastão preto, e diante de todos que assistiam, desenhou uma porta. Ele empurrou de seu lado e a porta se abriu, permitindo que ele atravessasse a porta para o piso do auditório.

O resto foi um absoluto e infernal pandemônio. Pessoas gritavam e corriam para as saídas enquanto os personagens do Jacob, tanto os desenhados nas paredes quanto aquele que tinham sido apagados com tinta, saíam por sua própria porta, jogando tortas, atirando lasers, soprando fogo e veneno e tudo mais. Eu estava perto de uma saída de emergência e dei apenas uma olhada pra trás. Essa cena vai me assombrar para sempre.

Jacob Emory estava sendo arrastado por suas criações pela porta que sua cópia havia desenhado.

O auditório se incendiou, mas eu não faço idéia de quantos personagens escaparam, o que aconteceu ao falso Emory ou quantas pessoas morreram. O incêndio atraiu os bombeiros das cidades mais próximas em um raio de cem milhas – eles trouxeram a polícia, que trouxe o governo, que abafou tudo. Eles levaram os panfletos e qualquer arte feita por Jake, e fizeram todos jurar segredo, sob pena de prisão perpétua. Puseram a culpa do incêndio em um cigarro numa lata de lixo durante um jogo de basquete, e todos nós eventualmente seguimos com nossas vidas. Era como se Jake nunca tivesse existido.

Olhando pra trás, eu entendi tudo. Jacob não estava criando ilustrações. Ilustrações não se movem, muito menos atacam – são só imagens que as pessoas vêem, sombras feitas pra se parecerem com coisas reais. Jacob esteve criando vida – coisas conscientes, de verdade, em alguma dimensão alternativa, usando um poder que nunca foi feito pra cair em mãos humanas. Ele se embriagou com esse poder. Sua punição provavelmente foi merecida.

Acidentalmente, o governo fez merda em duas ocasiões diferentes. Eles fizeram um belo de um trabalho silenciando todo mundo, mas restaram provas. As ruínas ainda estão lá, sabe. As ruínas do auditório. Eu ouvi que eles vão começar a reconstrução em breve, o que irá apagar qualquer evidência que alguém poderia encontrar. Mas eu voltei lá uma vez, muitos anos depois do incêndio – só uma vez. No meio dos escombros, coberto de cinzas, eu vi algo se contorcendo. Olhei mais de perto. Era a mão de Jacob Emory na parede. Exatamente como era há três anos (suadas e calejadas, eu me lembro), mas estava constantemente se agitando, como se o corpo ao qual ela deveria estar presa ainda estivesse se contorcendo nas chamas.

Esse foi o primeiro erro. O segundo foram aquelas criações.

Como eu disse, eu não sei quantos escaparam, nem quantos os agentes do governo capturaram, mas eu só digo isso – Aqueles campos com grama alta na periferia da cidade? Não vá até lá. Nunca. Você estava querendo saber sobre essas criaturas brancas que você vê à noite certo?

Essa cidade não tem histórias de fantasmas.

Traduzido de: http://www.creepypasta.com/the-art-of-jacob-emory/
Tradução: Paulo Guimarães.

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